segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Conhaque e mocotó

Porra, bebi todas no recesso semanal. O termo fim-de-semana te induz ao pensamento errado, a semana não tem final. O ano é uma semana de mais de trezentos dias, feriados são feriados, sábados e outros pedaços de domingo. Pode parecer frescura e o escambau, mas é minha forma de pensar. É do caralho pensar com a própria cabeça, como um amigo costuma dizer, aquele porco roncador.


De maneira que o frio determina o cardápio que vai arregaçar meu fígado. Ontem fui de cana, no sábado fui de malte, meti um vinho doce pra almoçar, mas a cevada teve que aguardar na disciplina. Encostei no boteco do Bezerra, o mesmo cearense que tinha bar na Jangadeiros, e comecei com a rama. Tinha pagode do time de futebol. Aqueles caras jogam poooorra nenhuma, mas vale descer pra beber com eles, sempre vêm com as esposas e as crianças. Porra, e tem cada dona, malandro... Puta que pariu, só aquela caixa de gordura recheada de carne. Delícia. É bom que os caras ficam achando que tô morto: “Ialá o coroa... Fica filmando, aí... Engraçadão, mas tá gagá!”. Gagá é o caralho, filha da puta, bota tua mulher na minha mão, bota que eu boto nela! E aceno de volta, fingindo que não estou entendendo a gozação. Já tive essa idade...


Desce o conhaque e sobe o mocotó. E vou de colher em colher sorvendo os calores dos temperos. Tô gordo pra cacete, pés inchados pra burro, e o batuque comendo solto. Rapa da panela, cheio de rama na ideia, tanta meninha safada por aí... Tô velho, e mal parafraseando o Nelson Cavaquinho, as rugas pagam aluguel adiantado pro meu rosto, por isso não há residência suficiente para segurar a velhice do corpo. Meu espírito nasceu de sete meses. É do caralho essa porra.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O filho da puta

Uma das piores raças que há é a do filha da puta. O mau caráter. Trabalho num ninho de cobras escrotas. Bem viscosas e meladas, aquelas bem venenosas. Tudo bem, eu não deixo de ser um sacana bêbado, mas pelo menos eu não nego. Não me vendo por qualquer dinheiro. No meu emprego, você dá ou desce. Dá para subir e desce, para, depois, dar. Dar com a cara na parede, porque são muitos caciques para o mesmo partido. A bem da razão, partido é o ambiente onde ganho o pão e como a carne. E bebo debaixo da mesa.

Todas as mulheres do local onde trabalho são putas. Umas são somente na empresa. Outras estão sempre grávidas, porque preferem fazer o pé-de-meia por conta própria. Há as pequenas que me afeiçoo, que gosto mesmo um bocado. Aquela magrinha de peitos, ah, que peitos, digo, peitos formosos: empinadinhos. E como também é gente boa, é gostosa duas vezes. E tem outras, mas não importa, acontece que nem para isso o lugar onde trabalho serve. É tanta encheção de saco que parece que não tenho mais pau. Parece suruba de português, aquela que a gente só entra com a bunda.

Gosto de chegar atrasado, para dar impressão de que sou ocupado. Veio de blazer meio amassado, para parecer que sou importante (ao menos) em outro lugar que seja, mas que não seja onde trabalho. Penteio os cabelos rigorosamente para o lado, mas o direito, com gel, para logo depois revirá-lo com a mão esquerda, para dar um ar de que estava com pressa, mesmo atrasado. É divertido alterar essas idiotices que ninguém nunca vai perceber mesmo, mas eu realmente acredito que se premeditar meus hábitos para alterá-los, no fundo acaba por vir a ser nada. De fato, me ocupa.

Quando deixo a pasta ao lado do computador, rapidamente busco a xícara de café que está três mesas à minha direita, perto da porta que dá ao corredor. Rapidamente lembro que preciso comer alguém essa semana, porque já é segunda-feira. Volto à mesa do local onde trabalho, mas não tive tempo de escapar da moça da limpeza. Sim, porra, leva esse jornal. Não, caralho, não terminei o café. Puta merda, se a faixineira é assim, imagina como é o chefe.

Faz pouco tempo que trabalho no local onde trabalho. Uma vez por semana muda a diretoria. Projetos especiais, projetos de projetos especiais, nova pegada, novos rumos, nova linguagem, nova pirocada na bunda, nova enrabada. Essas coisas que acontecem nos locais onde trabalhamos. Desde que comecei neste emprego, já sacanearam uns cinco amigos. Se pegarmos esse número e multiplicarmos por dezessete, será exatamente o número de coordenadores e diretores desta firma. Isso, apenas nesta sucursal.

Após ler os primeiros relatórios do dia, afrouxo a gravata imaginária, solto um ruído rouco pela garganta, e coloco os óculos bem devagar. Faço cara de babaca, igual aqueles que trabalham do outro lado do local onde trabalho, e tiro da gaveta o livro que estou na metade. Afasto o teclado e passo a ler o romance enquanto espero meus colegas chegarem. Sim, sempre sou um dos primeiros a chegar, mesmo atrasado. Meu horário é diferente, justamente para que eu pegue o pepino logo de cara. É foda. Mas dou meus goles da rama e fica tudo certo, xará, porque meu nome não é Maria.

Apesar de tudo, gosto de algumas pessoas, mas só um pouco. Lá é bom porque exercito meu raciocínio e bebo café de graça. O lanche é uma merda, mas minha mesa tem telefone e posso escrever minhas canalhices sem ninguém me importunar. Quando tenho que trabalhar, realmente, faço algumas ligações ou mando que os garotos temporários executem as tarefas, em troca de alguma mentira. Dou pernada mesmo, de ruim. É o que fazem comigo, então ensino como sacanear e tripudiar logo, mas nunca sem deixar de rir. É do caralho essa porra.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Texturas

Vou começar como quem não quer tudo
Desprendi-me do que não era literário, que não fosse também burocrático. Sou como um camponês urbano, desprezo máquinas e concreto
Não gosto de pessoas nem do que elas acreditam
Gosto das árvores. Gosto da roça. Cheiro de mato, fumaça da madeira queimada, da madeira ferida, da madeira morta
Mas habito em selvas acolchoadas de ferro, cipós elétricos, caules metálicos
Somos carneiros radioativos
Rebanho de máquinas flutuantes, vide riachos de asfalto. Cargos não são pessoas. Existo em quantos possíveis. Escroto as palavras
Tripudio da linguagem
Rompo cabaços de falsos intelectuais, com a textura da minha língua. Fodo o protocolo. Quero comer a menina que trabalha do meu lado. Quero estar ao lado da menina que eu como. Quero comer o lado da menina que me fode.
Engulo o ar e cuspo culpa por coragem
por vontade:
não gosto de pessoas
testo texturas e roço a roça urbana
como um camponês da cidade