quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Comida quente

Segunda-feira é dia de beber. Obviamente, pela manhã, pra ficar no grau – como diz a garotada de hoje – e suportar a semana de trabalho. Eis que me levanto às seis, olhos ásperos por causa da remela acumulada (pensei que por um momento que pudesse ser conjuntivite – mas não era), mijada de cavalo. Faço um bochecho e cuspo as migalhas da noite anterior. Na cozinha, faço um café forte e mordo o resto de pão dormido com margarina. Chinelo no pé e vou ao botequim.


- Chora uma loura, seu Osmar! Tô com a sede da porra, mestre.

Copo no balcão e cerveja estupidamente. Dei o confere na mulata que passava sempre àquela hora. Deu água, rapaz... Aquele bundão, quando cada nádega sobe e desce alternadamente, quase uma bofetada na nossa cara. Uma delícia de mulher. Acompanho até sumir na curva – devia estar indo pro ponto de ônibus. Gosto também quando, entre a blusa e a calça apertada, na cinturinha, aquele pedacinho de carne, aquele coisa gostosa que sobra, coberta pela morenice da pele. Gostooosa do caralho!


Pra cerveja descer legal sempre vai um quente. Osmar já coloca na minha frente o copo menor, sem que eu pedisse, e saca da prateleira ao lado do São Jorge a garrafa empoeirada do conhaque favorito. Serve o líquido vagarosamente, levantando a garrafa e abaixando-a, repetindo o movimento para dar a impressão de que caía mais goró do que se podia ver.


- Minha mulher me abandonou, hoje só volto pra casa amanhã! – bradou um jovem negro, gordo pra diabo, que adentrava à cena que se fazia naquela manhã. Pigarreei de sacanagem pra botar ordem na casa, mas o rapaz já me conhecia dali, dos sambas que volta e meia surgem na calçada. Parece ser gente boa, mas estava perturbadamente alegre. Como se quisesse escapar da pica que é ser deixado pela esposa. Pediu mais um copo:

- Seu Gregório, deixa eu beber uma com o senhor? Tô precisado de um trago e duns conselhos...

- Garoto, não fode, porra! Bebe uma aí. Sabe foder, não?! – e dei uma gargalhada alta pra cacete, pra dar uma zombada no balofo.

- Ô seu Gregório... Agradeço aí, de coração. Não vou te encher,não, daqui a pouco meto o pé e vou pro pagode – desculpou-se, meio sem jeito, um pouco agressivo até.


Bebemos alguns gelos e ele foi-se. Já eram quase onze horas. Fiquei rindo da conversa, quando ele, a certa altura, disse: “Que mané, pensão! Pra mandar pro xadrez, tem que ficar três meses sem pagar... Então, pago um, fico com dois de troco, e sigo em frente nessa vida, tá certo? Quem mandou ela me deixar?!”.

E eis que adentra aquela patricinha da faculdade da frente, toda cheirosa e maquiada, com peitos novos e grandes, bundinha maravilhosa (mas a da mulata dava de mil a zero), cara de cachorra. Compra um cigarro e me pede fogo. Penso: “quer fogo, né, sua safadinha?”. Ela acende o cigarro, agradece, mas deixa cair a bolsa, folhas ao chão, canetas, livros e duas camisinhas. Não contenho a risada, mas sem mostrar os dentes (não são todos que conseguem tal façanha), e fito seus movimentos atrapalhados, ao não saber o que fazer com o cigarro, se coloca na mão, ou deixa-o na boca, aí decido ajudar, ela também se abaixa, e vejo aquela calcinha pulando do fundo da calça, aquele pedaço de carne, e pego as camisinhas e as devolvo em mãos:

- Ai, obrigada, moço... – constrangida até me fitar os olhos – mas sabe como é, minha vida é um livro aberto, mas com algumas páginas arrancadas! – e desabrochou num riso sincero e ao mesmo tempo aflito.

- Não se preocupe, menina. Minha vida é um boteco aberto, mas com algumas garrafas destiladas! – e ri tão forte que acho que cheguei cuspir na cara da cachorra.

Ela pegou as coisas do chão e agradeceu a todos do bar. Deu um trago forte e sentenciou:

- Termina pra mim? Pra você ir praticando a leitura, sabe?

E eu lhe estendi um copo de conhaque e não resisti:

- Finaliza pra mim? Pra você ir praticando.... praticando (me faltou a piada, tô ficando velho, mas mandei assim..), pra você ir destilando o seu fogo!

Ela gostou e disse que voltaria depois da aula. Pro trabalho, então, disse que adoeci. Fiquei no bar lhe esperando, mas seu Osmar me sacaneou:

- Isso não é pro teu bico, não, homem! Tem sobrenome de cobertura, cheia da situação. Moça fina é outra coisa, é diferente...

- Por que, seu Osmar, ela não tem buceta? – devolvi sarcástico e não obtive resposta alguma – que tivesse argumento.

Comi a guria, que tinha gosto quente, uma fumaça destilada. Conhaque é fogo, rapaz! É do caralho essa porra.

Um comentário:

  1. Belo desfecho, meu velho. Tô acompanhando o blog, estou adorando os textos. Parabéns!

    Abraços

    ResponderExcluir